domingo, 1 de março de 2009

SER CARIOCA

  
Cantar o Rio de Janeiro em verso e prosa, em melodia, em imagens e até em pura contemplação, é mais do que um dever do carioca da gema: é um prazer inigualável. Algo que se faz intuitivamente, sem se pensar, sem querer. Existe uma indução natural, uma predisposição em se verem paisagens, pessoas e belezas, que acabam por servir de inspiração para uma demonstração de amor por este lugar abençoado.

Definir este sentimento requer divagar sobre o que é ser carioca. Quais são as características desta gente que vive aqui e que goza intensamente da felicidade disso. Significa saber enxergar, nos menores detalhes e nas coisas aparentemente mais insignificantes, que em tudo há uma graça – graça sinônimo de charme, como na Garota de Ipanema, e também no sentido, digamos, divinal da palavra.

Ser carioca é ter certeza de que esta é a cidade mais linda do mundo, mesmo sem conhecer nenhuma outra. É falar com o r arrastado e com o s com som de x, exagerando ainda mais perto de paulistas e mineiros. É saber que a maior torcida do mundo é a do Flamengo e que o maior estádio do mundo é o Maracanã. É saber que a maior floresta urbana do mundo é a Floresta da Tijuca; e, se não for mais, passou a sê-la o Parque da Pedra Branca, na Zona Oeste, ainda dentro da cidade. Que o maior parque urbano à beira-mar do mundo é o Parque do Flamengo e a Princesinha do Mar é Copacabana.

É ter o Centro não no centro geográfico, mas no extremo leste da cidade, e com construções belíssimas – muitas delas, felizmente, preservadas do progresso. É ter um aeroporto em pleno centro da cidade, podendo-se saltar do avião e ir a pé para o trabalho. E ter outro numa simpática ilha, não muito longe deste Centro, aonde se chega rapidamente pela Linha Vermelha. E ainda mais três campos de pouso (o de Jacarepaguá e as bases aéreas dos Afonsos e de Santa Cruz, onde fica o único hangar projetado especialmente para dirigíveis do mundo), todos na mesma cidade.

É pegar uma praia ou uma cachoeira de manhã cedo, antes do trabalho. É entender por que a maioria dos estrangeiros acham que o Rio de Janeiro é a capital do Brasil (já foi, por 197 anos, de 1763 até 1960). É não entender por que um bando de cretinos se empenhou em levar a capital daqui. É sacanear com paulista, com sotaque de paulista, com o jeito de vestir paulista de paulista, com a cor avassaladoramente branca da pele de paulista e, principalmente, com o uso daquele palavreado absolutamente paulista, que inclui mano, mina, meu, farol, guia, abobrinha, holerite, pebolim, perua, trólebus e tantos outros vocábulos incompreensíveis.

É aplaudir o pôr do sol em Ipanema, no Posto 9. É beber no Select antes da noite, chegar à boate à uma da manhã e ver o nascer do sol na praia – de preferência, o Arpoador – depois do agito. É ficar feliz quando o horário de verão começa, porque isso significa uma hora a mais na praia; e ficar triste quando ele acaba, por diminuir o período de sol durante o dia.

Ser carioca é agir com naturalidade ao encontrar artistas globais na rua. É buzinar assim que o sinal abre. É chamar o guarda de guardinha, por puro deboche ou, simplesmente, pelo nosso hábito do intimismo no tratamento com as pessoas em geral.

É torcer para alguma escola de samba, mas viajar no Carnaval porque a cidade fica cheia de turistas. É ir à praia sempre no mesmo lugar e ir para a Região dos Lagos nos feriados prolongados, com todo o engarrafamento do mundo. Ou escolher Petrópolis, na serra, numa região à qual se chega com pouco mais de uma hora de viagem do Rio.

É acampar na Ilha Grande pelo menos uma vez na vida. É passar horas na academia, nem que seja fazendo social. É ter amigos no condomínio onde mora e na academia onde malha; é fazer amigos na praia. É ir ao shopping fazer compras e não fazer social. É pôr catchupe e mostarda na pizza; e degustá-la com cerveja, para arrepio dos paulistas. É tomar sorvete à beira-mar, sob um calor de mais de trinta graus, em pleno inverno.

Ser carioca é sofrer com as obras do Rio Cidade, mas saber aceitar depois que elas tornaram os lugares sacrificados melhores do que antes. É maldizer o governo pela poluição das praias da Zona Sul e por certas obras que nunca terminam. É morrer de rir ao ver não-cariocas dançando funk na televisão, como se esta fosse a última moda. É lançar moda e ver o Brasil inteiro copiar.

É aproveitar os engarrafamentos para comprar biscoito Globo, puxar conversa com o ambulante e, mesmo atrasado, apreciar a paisagem e o mar. É não se cansar de ver esta mesma paisagem todos os dias e admirá-la como quem nunca tenha visto antes, com os olhos de quem reconhece estar diante de uma das maiores maravilhas do planeta. É estar sempre perdido, em paixão, entre o mar e a montanha.

É morar bem em cima de um bar barulhento e ser amigo do dono do bar. É conversar com o ascensorista e passar do andar. É perder o último ônibus, mas não perder a saideira. É não ter certeza se conhece, mas cumprimentar. É chamar aquele cara que se acabou de conhecer de amigo e convidá-lo para a sua casa, sem dar endereço nem telefone. É sentir dúvida em responder se a quarta-feira é mais perto da segunda ou da sexta. É enforcar a segunda ou a sexta, quando tem feriado, respectivamente, na terça ou na quinta.

É gostar de viajar, mas adorar voltar para casa. É ir a Niterói e conseguir morrer de saudades do Rio. É voltar de lá, do outro lado da poça d’água, de barca, na hora do pôr do sol, só para admirar a Baía de Guanabara. É considerar Niterói uma cidade privilegiada, exatamente por ter a vista mais bela do mundo – a do Rio de Janeiro, é claro. E ainda zoar com os nossos irmãozinhos niteroienses lembrando-lhes isso o tempo todo.

É chegar à Ponte, à Avenida Brasil, à Linha Vermelha, ao Santos-Dumont, ao Galeão ou, simplesmente, a uma janela – qualquer janela – e procurar o Cristo no alto do Corcovado. Instintivamente. E, ao achá-lo, sorrir e sentir-se em casa. É olhar a vida pelo melhor ângulo.

E, principalmente, ser carioca é amar e respeitar muito a nossa cidade. Porque mesmo com todos os seus problemas, ela é e será sempre a Cidade Maravilhosa.

...

Um comentário:

... disse...

Escolhi o dia do Aniversário da cidade para inaugurar o blogue no qual pretendo escrever sobre ela.

Crônicas e poesia serão a tônica no 'Rio Minha Terra', que também ilustrei com uma marca criada especialmente para a ocasião. A imagem remete ao símbolo criado quando da comemoração do Quarto Centenário, em 1965. Reproduzi, então, três dos quatro algarismos '4', em diferentes tons de azul (a cor oficial do município), criando esse novo significado.

Espero que o blogue agrade a todos, cariocas - da gema, de nascença e de coração - e todos os demais, que curtem o Rio de Janeiro.