quarta-feira, 27 de maio de 2009

carta aberta ao Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro


Prezado senhor Prefeito Eduardo Paes

O Rio de Janeiro parece ter iniciado uma nova etapa em seu desenvolvimento, depois de sua posse, em especial com a iniciativa do choque de ordem - tão necessário, para restituir o bom funcionamento das atividades urbanas - e dos esforços ligados à candidatura a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, para o que está-se vendo uma inteligente consonância política poucas vezes empreendida entre a prefeitura e os governos estadual e federal. O combate à favelização, mesmo que ainda tímido, vejo como um dos pontos positivos do choque. Pelo respeito aos interesses dos cariocas, ainda que isso devesse ser simplesmente obrigatório da parte dos nossos governantes, minhas felicitações.

De minha parte, tenho procurado contribuir efetivamente, lançando ideias e mesmo críticas na ouvidoria do portal eletrônico do governo municipal, sempre buscando antever problemas ou mesmo apontá-los onde já existem e eventualmente ainda não tenham sido detectados. Também ouso enviar sugestões as mais diversas, vislumbrando melhorias que podemos ter em prática. Enfim, com a frequência com que escrevo, tenho sido uma espécie de 'chato', com vários atendimentos registrados sob as diversas rubricas existentes.

Neste espírito, de contribuir para um Rio de Janeiro melhor, gostaria de conclamá-lo, senhor Prefeito, a verdadeiramente brigar por nossa terra, tocando o seu brio como carioca igual a nós. Lutar por uma cidade que tem história e tradições, como capital do império e da república (única sede de um reino europeu fora da Europa, aliás, quando da vinda de Dom João VI há mais de 200 anos); como cidade-estado nos tempos da saudosa Guanabara, em que nasci; e, sempre, como a maior referência do Brasil em seu próprio território e no mundo inteiro. Uma cidade esplendorosa em sua beleza natural e insuperável no modo de ser de seu povo, que vem perdendo fôlego há décadas, pela falta de interesse de seus homens públicos, do executivo e do legislativo, em defender nosso vasto patrimônio. Patrimônio natural, degradado pela favelização incontida; patrimônio político, com os prejuízos gerados pela transferência da capital federal e, 15 anos depois, pelo desastre da assimilação de hábitos e práticas advindas da fusão com o antigo Estado do Rio de Janeiro; patrimônio econômico, com a crescente perda de parque industrial, mormente para São Paulo e influenciada em muito pela degeneração urbana propiciada pelas favelas; patrimônio cultural, com a falta de zelo para com os ícones relevantes que a cidade possui, relegados a um plano de importância bem aquém daquele que merecem.

Um desse ícones, senhor Prefeito, está em toda parte e desenha intensamente a história e o dia-a-dia do Rio de Janeiro: as pedras portuguesas de suas calçadas. Algo tão carioca e tão intimamente característico da cidade quanto o nosso sotaque de erres arrastados e esses chiados. O assunto veio à baila recentemente, provocado por reportagem do jornal O Globo. Em 2007, a ex-vereadora Cristiane Brasil (PTB) propôs uma lei - número 4.658 - que, em sua essência, determina a substituição das pedras portuguesas por 'piso antiderrapante' (conceito não identificado) em toda a cidade, segundo o noticiário com base no argumento de que as pedras mal assentes seriam um perigo iminente para a população idosa, sujeitando-a a acidentes e quedas. (A propósito, pedras portuguesas não são lisas a ponto de não poderem se encaixar na categoria de 'piso antiderrapante', diga-se de passagem. Sob esse aspecto, o teor da lei, que me parece ruim desde a concepção da ideia original, não as exclui, de fato, do rol dos possíveis materiais para revestimento de calçadas...)

Ora, então o problema, pelo que vemos, não são as pedras em si, mas sim as suas eventuais má colocação e inadequada manutenção, que poderiam pôr em risco não apenas idosos, mas qualquer pedestre. O que torna a lei mal conceituada, sujeita à perfeita comparação com a piada do sujeito que, em descobrindo que sua mulher o traía usando o sofá da sala, resolveu o problema livrando-se do sofá. Aliás, outra vez assunto digno do interesse recente de O Globo: mais uma daquelas leis que não têm importância ou possuem serventia duvidosa, como a instituição do 'bolsa-invasão' da vereadora Lucinha ou a proibição de palavras estrangeiras em anúncios (numa cidade de projeção internacional), do vereador Roberto Monteiro.

Na época da aprovação da lei contra as pedras portuguesas em plenário, foi interposto veto pelo ex-prefeito Cesar Maia, muito bem embasado e compreendendo o erro crasso que seria resolver o problema das pedras fora do lugar com o ato singelo e inócuo de 'livrar-se do sofá'. O veto apontava, em síntese, a interferência da câmara em assuntos da alçada do poder executivo e uma falha legal, a de não haver a devida designação da fonte de custeio para as intervenções necessárias.

A importância das calçadas em pedra portuguesa para a cara do Rio de Janeiro aparece bem nitidamente num filme de 1936, de título 'Rio de Janeiro - City of Splendour', disponível para descarga na internet. Trata-se talvez das primeiras imagens em movimento da cidade feitas em cores, de um Rio que seguramente contava com um carinho especial de seus administradores por ser a capital do país. Num determinado momento, decorridos 2min35s de exibição, o locutor diz textualmente, sobre imagens da Praça Floriano, na Cinelândia: 'The most unique feature of the clean and spacious streets is the decorative mosaicwork that adorn the sidewalks. Almost every block has a pavement with pattern so individually designed, that one could find its way about the city by becoming familiar with them'. Vertendo livremente para o português: 'O aspecto mais singular das ruas limpas e largas é o mosaico decorativo (de pedras portuguesas) que adorna as calçadas. Praticamente todos os quarteirões têm pavimentos com padrões concebidos com tamanha exclusividade, que uma pessoa poderia identificar onde está apenas pelos desenhos no chão'. Não é preciso esforço para entender como a arte da calcetaria - aliada a uma boa manutenção, com varrição e lavagem periódicas das calçadas - contribuía para que a Cidade Maravilhosa detivesse esse seu título. E pode continuar contribuindo.

A prefeitura dispõe, como o senhor bem deve saber, na estrutura da Secretaria de Obras e Conservação, de um organismo cuja função precípua é o controle das intervenções - obras - em logradouros públicos: a O/COR (Comissão Coordenadora de Obras e Reparos em Vias Públicas). Se à Coordenadoria Geral de Conservação cabe construir calçadas bem feitas, à O/COR cabe fiscalizar a realização de obras em passeios já construídos, cuidando para que as empreiteiras recomponham a calcetaria de modo correto, sem falhas, nem remendos.

E, mais ainda: se não existem mais técnicos com a qualidade daqueles artistas portugueses que nos ensinaram a compor calçadas desenhadas, que a prefeitura se empenhe em formar novos profissionais nesta técnica! Que se busque quem sabe fazer, para poder ensinar. Abrindo com isto novas oportunidades de trabalho, tanto aos calceteiros quanto a artistas, que a prefeitura pode convocar, em concursos, para desenhar passeios mais bonitos para a cidade, sem a frieza das grandes placas de concreto armado ou dos ladrilhos hidráulicos sem vida, que tornaram insípidos lugares como a Rua do Catete, a Taquara (Estrada do Tindiba e Avenida Nélson Cardoso) e a Praça Saens Peña.

Mire-se, senhor Prefeito, nos bons exemplos das reurbanizações recentes do Leblon (Avenida Ataúlfo de Paiva), de Vila Isabel (Boulevard Vinte e Oito de Setembro, com longas pautas musicais de fora a fora), da Rua do Lavradio, da Praia do Flamengo, da Rua da Glória e do Grajaú (Rua Uberaba), onde a graça das pedras em duas ou três cores (a branca deixando claro o piso) e a composição com outros elementos, como granito (pedra bruta), faixas discretas de concreto armado e blocos intertravados, usados com a devida parcimônia, criam um passadiço agradável e bonito, adjetivos bem próprios do Rio de Janeiro. Há ainda belos trabalhos em pedras grandes, na Avenida Erasmo Braga e na Rua Primeiro de Março. Sem falar no marco que são as calçadas da Praia de Copacabana, projeto do notável Burle Marx. Além disso, a sábia diagramação de desenhos propicia que intervenções localizadas possam ser feitas de modo limpo, com a reconstituição da parte atingida sem remendos nem imperfeições, já que toda uma área modulada pode ser desfeita e, em seguida, refeita com perfeição.

Paris, referência mundial no trato com o aspecto que toma uma cidade, está cogitando um imenso projeto de reforma urbanística para breve, que certamente não porá fim a toda a beleza já consagrada. As cidades precisam modernizar-se, mas não podem perder certos valores que lhes são tão caros e que guardam tanta ligação, até sentimental, com seus habitantes. E seus administradores precisam ser sensíveis a esse detalhe, para não cometerem pretensas benfeitorias que a História venha tristemente a cristalizar como idiotices ou até mesmo atentados.

Um dia, senhor Prefeito, acharam que era bobagem manter os bondinhos de Santa Teresa, bairro onde nasci, funcionando. Eram 'velhos', 'ultrapassados' e 'não atendiam à necessidade de transporte do local'. Quiseram extingui-los da paisagem carioca. Felizmente o erro da erradicação não foi cometido e, assim, não perdemos esse outro patrimônio, cultural e turístico, do Rio, hoje administrado pela prefeitura e, cabe frisar, merecedor de uma atenção um pouco maior do que a que vem recebendo.

Que os nossos bondes então, entre outros casos notáveis, nos sirvam de lição, em relação ao que pensar para as nossas calçadas. E que atire a primeira pedra - portuguesa - aquele insensato que não quiser ver as ruas do Rio de Janeiro melhores e mais bonitas ainda.

Atenciosamente

MARCELO FERNANDES ELIZARDO CARDOSO
Engenheiro Civil

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carta aberta ao Secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro

  
Prezado senhor Secretário José Mariano Beltrame

Sou daqueles cariocas que amam profundamente a terra e é com esse espírito que me dirijo ao senhor. Toda a minha vida está ligada profundamente ao Rio de Janeiro e, desde sempre, tenho e passo adiante a firme ideia de que aqui é o meu chão, o chão da minha família e o lugar do meu futuro. Por isso, Secretário, quero acreditar que temos um futuro nesta terra, que é nossa. Que é digna, repleta de pessoas igualmente dignas, de gente trabalhadora e dedicada a si, além de ser a cidade mais linda do mundo. É nosso território e queremos defendê-lo, com todas as forças de que formos capazes.

Mas não tem sido fácil manter a paz de espírito no Rio nestes tempos. A cidade está sofrendo com uma violência jamais vista antes e nada tem sido capaz de frear a degradação que temos visto corromper a nossa qualidade de vida. Sair à rua tornou-se um desafio, às vezes de vida ou morte. Um jogo difícil de jogar, considerando que as regras têm sido ditadas pelo pior tipo de gente que há, cujo modo de agir conhece apenas o terror e a maldade mais absurdos.

Estou chocado com o crime contra o ator Malvino Salvador, que foi rendido de seu carro na noite de 8 de abril na Rua Almirante Tamandaré, no Flamengo. Houve outros crimes até de maior repercussão - mas não de menor gravidade - depois deste, como o da enfermeira assassinada em Maria da Graça; do homem que tentou evitar o assassinato de um policial num assalto a ônibus em Irajá; da atendente da loja de conveniência friamente morta num posto de combustível de São Gonçalo; e do cobrador de ônibus fuzilado na Ilha do Fundão. A cada semana, novos crimes vão assumindo as manchetes da vez. Mas o caso do Flamego tem características específicas que me tocam com maior profundidade.

Sabe por quê, Secretário? Porque eu nasci e morei três décadas naquela rua, num prédio quase defronte o local onde o crime aconteceu. Era um tempo em que as portarias dos edifícios ainda não ficavam escondidas por grades e 'menores virtualmente infratores' não perambulavam com a desenvoltura e a petulância com que hoje o fazem, nas cercanias do Largo do Machado, afrontando Guardas Municipais com absurdo desplante, como eu já tive a triste oportunidade de assistir. (Eles, os protegidos do 'estatuto', têm 'direitos'; e coitados dos guardas, se lhes encostarem um dedo sequer!)

Tocam-me, Secretário, porque meus pais, idosos que são, passaram a se enclausurar em casa e evitam descer à rua, com medo. Medo dessa gente que, travestida de 'população de rua', não pertence à 'nossa' rua e vive assombrando seus moradores e quem mais a frequenta. As pessoas de bem, com a permissão do termo, que pagam impostos e são respeitadoras das leis, estão sendo vilipendiadas em seus - estes, verdadeiros - direitos, à tranquilidade e ao bem-estar. Sinto, como a quase totalidade dos cariocas, como se a minha própria casa estivesse sendo invadida. Percebo a cidade sitada, sem dono e sem lei. O que pareço ver, no alto do Corcovado, não é mais o Divino Salvador abraçando cada cidadão desta terra, mas sim o carioca de hoje, crucificado, moribundo, aguardando o mais sombrio futuro.

Toca-me porque fomos, eu e a minha mulher, vítimas desse mesmo tipo de abordagem criminosa, quatro anos atrás (RO 034-1997/2005 de 12mar2005), uma experiência traumática que não se deseja ao pior inimigo, mas cuja recorrência ainda vem engrossando as estatísticas da Polícia e deixando paralisados, pelo susto ou por sequelas, uma legião interminável de proprietários de veículos nesta cidade sem ordem. Um episódio cuja essência talvez não seja tão bem assimilada pelo senhor, acostumado à escolta oficial que sua condição de autoridade felizmente lhe faculta.

Tocam-me, porque me lembro das tantas vezes em que estacionei o carro à noite, junto a outros cariocas amantes dos lugares pitorescos dessa bela terra, para namorar. Isto não muito mais do que vinte anos atrás. Algo tão óbvio de se pensar, em se tratando das possibilidades que nos oferece o Rio de Janeiro. Contudo, uma coisa impensável para os meus filhos hoje em dia, quando estão por tirar a carteira de habilitação. Porque a violência não permite mais o prazer desses 'luxos'. É quase como não se permitir viver, em suma.

Engraçado, Secretário, como podemos ter percepções diferentes das coisas. Quando eu era adolescente, em pleno governo militar, 'repressor', eu percebia que tinha direitos, embora houvesse tolos que vociferassem exatamente contra aqueles que me garantiam esses direitos. Meus pais tinham direito a bons empregos, que lhes facultavam salários dignos o bastante para termos uma vida honrada. E eu, tinha o direito de ir e vir em segurança, em todo lugar, a qualquer hora do dia e da noite. Os Policiais, nas ruas, eram a constatação dessa segurança, na minha condição de cidadão de bem. Aliás, desde pequenos, Secretário, meus filhos hoje adolescentes aprenderam, comigo e com a minha mulher, que a Polícia é uma instituição de grande valor, digna e merecedora do nosso maior respeito, ao contrário do que a imprensa muitas vezes faz questão de mostrar.

Mas hoje, a nossa constituição (com 'c' minúsculo mesmo), tão pródiga em direitos quanto carente de deveres e curiosamente eivada dos rancores dos que um dia foram perseguidos, banidos e exilados, não se mostra capaz de nos garantir certos direitos. Nós nos trancamos em grades, para que os vagabundos vagueiem pelas ruas. Sim, porque, até que cometam um delito (matem alguém, apenas por crueldade, porque ele não lhes entregou o carro), esses bandidos, com cara de bandido, roupa de bandido, postura de bandido e alma de bandido, são intocáveis! São cidadãos! São eleitores... Acobertados (não protegidos) pelo monstro criado a partir da má prática dos direitos constitucionais e dos - perdoe-me o termo - direitos humanos.

Curiosamente, Secretário, correndo além da velocidade permitida e avançando sinais em cruzamentos de menor movimento para fugir de situações de risco iminente, tecnicamente o bandido sou eu mesmo, que estou desrespeitando a lei. Como pode? Como posso?!

Um dia, pasme, estes bandidos de fato, tratados a pão de ló pela falta de compreensão do que seja presunção da inocência, poderão tornar-se referência de caráter pela 'perseguição sofrida', para uma geração que virá ingênua, sem conhecer as mazelas do passado. E reivindicarão indenizações, amparadas por lei e regiamente pagas pelo erário, pelas conquistas que 'foram impedidos de consumar' na vida.

Mas o bandido mesmo, Secretário, sabemos muito bem onde se esconde: onde se lhe dá guarida e é estratégica e convenientemente fácil escamotear sua presença. Esse tipo de vagabundo se esconde em favelas, tão glamourizadas hoje em dia pela mídia, e é predominantemente nelas que precisam ser caçados, gostem ou não os que moram lá e os outros, que defendem um falso respeito às 'comunidades', com seus logorreicos discursos sem conteúdo prático. E quem sobrevive em favela, quando não denuncia os bandidos tocaiados e entocados nela, está sendo minimamente conivente, ou mesmo cúmplice deles.

Vivemos um tempo, Secretário, que nem mesmo a ostensividade das câmeras de controle conseguem inibir a audácia e a crueldade dos marginais. E que a loucura da violência sem controle obriga a atos desesperados, como o do motorista que achou por bem vingar a todos nós, matando atropelados dois bandidos de moto, no Largo da Taquara, há alguns dias. É aquela história: alguém precisa tomar uma providência; e tomou. Talvez não a melhor. Ou, quem sabe, talvez a melhor, já que, uma vez pegos e presos, esses delinquentes certamente estariam na rua em seguida, sob os auspícios da lei, assaltando de novo e, quem sabe mais, matando?

É preciso que a população como um todo compreenda que, apesar de incursões malsucedidas que possam acontecer, na favela ou 'no asfalto', é a Polícia quem está do lado do bem. É ela que representa cada um dos honrados cidadãos desta cidade. E é preciso, afinal, acabar com essa história de a autoridade policial ter que ter cerimônia de entrar em favela, esta talvez a pior das metástases de um certo socialismo canhestro e cafajeste que aqui se enraizou. Se o procurado está lá, que se entre lá e se o pegue! Com a perícia, é claro, de não permitir que os bandidos criem aquelas situações de praxe (gente 'inocente' no caminho, levando o primeiro impacto da violência iniciada pelos marginais, dentre elas balas perdidas), que expõem o policial. Neste ponto, a coragem e a determinação da Polícia têm que ser prezadas.

Bandidos 'do asfalto' também existem; muitos, é verdade. Mas esses não são os que circulam sob efeito de drogas, armados e dispostos a atirar por qualquer coisa. Precisam também ser caçados. Esses 'do asfalto', não melhores que os da favela mas apenas diferentes deles, são aqueles que os financiam, principalmente com a compra de drogas. Um outro tumor que precisa ser extirpado, cuja profilaxia está exatamente na detenção sumária dos infratores encontrados com tóxicos, sem distinção. Sem o embaraço da filigrana legal, que estabelece uma pseudo-distinção entre clientes (viciados) e fornecedores (traficantes), segundo o tipo ou a quantidade da droga apreendida, com o nítido propósito de ser condescendente para com o consumidor. (Aliás, a quem mais, senão a viciados, teria interessado introduzir essa aberração na lei penal? Seria algum tipo desconhecido de 'direito'? De quem?)

Há, portanto, duas, três... Várias frentes de batalha a atacar, a partir dessas tristes constatações. Um trabalho árduo, a ser empreendido por gente competente, treinada, motivada, equipada e respaldada pela autoridade superior. Características que a população carioca quer ver na Polícia.

É claro que não cabe à Secretaria de Segurança mudar a lei, mas cabe, pelo menos, que a lei que existe, boa ou ruim, seja aplicada com o devido rigor. Se o estado tem sido tão presente na aplicação da 'Lei Seca' e na implacável busca por devedores do IPVA cidade afora, certamente pode intervir com a mesma vontade e competência na manutenção da ordem e da segurança públicas.

Quem sabe não seja interessante pensar-se em 'corredores de segurança', com o projeto de monitoramento intenso, por câmeras e viaturas estrategicamente localizadas, das principais vias de movimento da cidade, gradativamente, usando-as como paradigmas para novas e novas intervenções do mesmo tipo? Ir-se 'cercando' a cidade, aos poucos, de uma rede de controle capaz de tornar estas vias definitivamente seguras e, paulatinamente, estendendo o conceito a todo o Rio de Janeiro? A ideia é de um leigo, mas acredito que possa ser bem trabalhada para ganhar forma e prática.

Pois então, que se ponham mãos à obra, no que couber à sua atuação. Da minha parte, como cidadão carioca, cabe fazer-me ouvir e contribuir, dentro do que me seja possível. Que o senhor, Secretário, tome de fato a si a responsabilidade por pacificar esta terra, tarefa que o Rio de Janeiro lhe confia. E que o peso e a força da lei sejam, enfim, mostrados pela Polícia com a autoridade que ela possui e urge, mais do que nunca, exercer.

Atenciosamente

MARCELO FERNANDES ELIZARDO CARDOSO
Engenheiro Civil

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domingo, 1 de março de 2009

SER CARIOCA

  
Cantar o Rio de Janeiro em verso e prosa, em melodia, em imagens e até em pura contemplação, é mais do que um dever do carioca da gema: é um prazer inigualável. Algo que se faz intuitivamente, sem se pensar, sem querer. Existe uma indução natural, uma predisposição em se verem paisagens, pessoas e belezas, que acabam por servir de inspiração para uma demonstração de amor por este lugar abençoado.

Definir este sentimento requer divagar sobre o que é ser carioca. Quais são as características desta gente que vive aqui e que goza intensamente da felicidade disso. Significa saber enxergar, nos menores detalhes e nas coisas aparentemente mais insignificantes, que em tudo há uma graça – graça sinônimo de charme, como na Garota de Ipanema, e também no sentido, digamos, divinal da palavra.

Ser carioca é ter certeza de que esta é a cidade mais linda do mundo, mesmo sem conhecer nenhuma outra. É falar com o r arrastado e com o s com som de x, exagerando ainda mais perto de paulistas e mineiros. É saber que a maior torcida do mundo é a do Flamengo e que o maior estádio do mundo é o Maracanã. É saber que a maior floresta urbana do mundo é a Floresta da Tijuca; e, se não for mais, passou a sê-la o Parque da Pedra Branca, na Zona Oeste, ainda dentro da cidade. Que o maior parque urbano à beira-mar do mundo é o Parque do Flamengo e a Princesinha do Mar é Copacabana.

É ter o Centro não no centro geográfico, mas no extremo leste da cidade, e com construções belíssimas – muitas delas, felizmente, preservadas do progresso. É ter um aeroporto em pleno centro da cidade, podendo-se saltar do avião e ir a pé para o trabalho. E ter outro numa simpática ilha, não muito longe deste Centro, aonde se chega rapidamente pela Linha Vermelha. E ainda mais três campos de pouso (o de Jacarepaguá e as bases aéreas dos Afonsos e de Santa Cruz, onde fica o único hangar projetado especialmente para dirigíveis do mundo), todos na mesma cidade.

É pegar uma praia ou uma cachoeira de manhã cedo, antes do trabalho. É entender por que a maioria dos estrangeiros acham que o Rio de Janeiro é a capital do Brasil (já foi, por 197 anos, de 1763 até 1960). É não entender por que um bando de cretinos se empenhou em levar a capital daqui. É sacanear com paulista, com sotaque de paulista, com o jeito de vestir paulista de paulista, com a cor avassaladoramente branca da pele de paulista e, principalmente, com o uso daquele palavreado absolutamente paulista, que inclui mano, mina, meu, farol, guia, abobrinha, holerite, pebolim, perua, trólebus e tantos outros vocábulos incompreensíveis.

É aplaudir o pôr do sol em Ipanema, no Posto 9. É beber no Select antes da noite, chegar à boate à uma da manhã e ver o nascer do sol na praia – de preferência, o Arpoador – depois do agito. É ficar feliz quando o horário de verão começa, porque isso significa uma hora a mais na praia; e ficar triste quando ele acaba, por diminuir o período de sol durante o dia.

Ser carioca é agir com naturalidade ao encontrar artistas globais na rua. É buzinar assim que o sinal abre. É chamar o guarda de guardinha, por puro deboche ou, simplesmente, pelo nosso hábito do intimismo no tratamento com as pessoas em geral.

É torcer para alguma escola de samba, mas viajar no Carnaval porque a cidade fica cheia de turistas. É ir à praia sempre no mesmo lugar e ir para a Região dos Lagos nos feriados prolongados, com todo o engarrafamento do mundo. Ou escolher Petrópolis, na serra, numa região à qual se chega com pouco mais de uma hora de viagem do Rio.

É acampar na Ilha Grande pelo menos uma vez na vida. É passar horas na academia, nem que seja fazendo social. É ter amigos no condomínio onde mora e na academia onde malha; é fazer amigos na praia. É ir ao shopping fazer compras e não fazer social. É pôr catchupe e mostarda na pizza; e degustá-la com cerveja, para arrepio dos paulistas. É tomar sorvete à beira-mar, sob um calor de mais de trinta graus, em pleno inverno.

Ser carioca é sofrer com as obras do Rio Cidade, mas saber aceitar depois que elas tornaram os lugares sacrificados melhores do que antes. É maldizer o governo pela poluição das praias da Zona Sul e por certas obras que nunca terminam. É morrer de rir ao ver não-cariocas dançando funk na televisão, como se esta fosse a última moda. É lançar moda e ver o Brasil inteiro copiar.

É aproveitar os engarrafamentos para comprar biscoito Globo, puxar conversa com o ambulante e, mesmo atrasado, apreciar a paisagem e o mar. É não se cansar de ver esta mesma paisagem todos os dias e admirá-la como quem nunca tenha visto antes, com os olhos de quem reconhece estar diante de uma das maiores maravilhas do planeta. É estar sempre perdido, em paixão, entre o mar e a montanha.

É morar bem em cima de um bar barulhento e ser amigo do dono do bar. É conversar com o ascensorista e passar do andar. É perder o último ônibus, mas não perder a saideira. É não ter certeza se conhece, mas cumprimentar. É chamar aquele cara que se acabou de conhecer de amigo e convidá-lo para a sua casa, sem dar endereço nem telefone. É sentir dúvida em responder se a quarta-feira é mais perto da segunda ou da sexta. É enforcar a segunda ou a sexta, quando tem feriado, respectivamente, na terça ou na quinta.

É gostar de viajar, mas adorar voltar para casa. É ir a Niterói e conseguir morrer de saudades do Rio. É voltar de lá, do outro lado da poça d’água, de barca, na hora do pôr do sol, só para admirar a Baía de Guanabara. É considerar Niterói uma cidade privilegiada, exatamente por ter a vista mais bela do mundo – a do Rio de Janeiro, é claro. E ainda zoar com os nossos irmãozinhos niteroienses lembrando-lhes isso o tempo todo.

É chegar à Ponte, à Avenida Brasil, à Linha Vermelha, ao Santos-Dumont, ao Galeão ou, simplesmente, a uma janela – qualquer janela – e procurar o Cristo no alto do Corcovado. Instintivamente. E, ao achá-lo, sorrir e sentir-se em casa. É olhar a vida pelo melhor ângulo.

E, principalmente, ser carioca é amar e respeitar muito a nossa cidade. Porque mesmo com todos os seus problemas, ela é e será sempre a Cidade Maravilhosa.

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